domingo, 3 de março de 2013

Conheça os Pecados Capitais



Avareza

O mesmo instinto que leva o cachorro a esconder o osso faz você poupar para comprar um carro - e, de quebra, garante a sobrevivência das espécies





Pão-duro, canguinha, unha de fome, mão de finado - a lista de apelidos está lembrando um tio que não abre a mão nem para dar tchau? Pois saiba que ele não está sozinho. A avareza não é uma exclusividade humana, bem pelo contrário: é uma questão de sobrevivência para todas as espécies. "Todas as criaturas são egocêntricas e egoístas, porque, instintivamente, desejam e procuram energia e outros recursos", diz o biólogo Michael Soulé, professor emérito de estudos ambientais da Universidade da Califórnia. É esse instinto que leva o cachorro a enterrar o osso para comer mais tarde e você a fazer uma poupança para trocar de carro. Mas há uma diferença fundamental - a consciência do egoísmo e da avareza, ou seja, de poupar para não usar mais que o necessário é exclusiva do bicho homem - nem mesmo os macacos, as baleias e os golfinhos, com cérebro mais desenvolvido, têm essa capacidade, afirma Soulé. Assim, só mesmo um humano poderia nadar em uma piscina de moedas como o Tio Patinhas - jamais um pato, mesmo que a caixa-forte estivesse cheia de suculentos insetos ou quaisquer outros alimentos de predileção da espécie.

Assim, há duas formas de perceber avareza: aquela necessária à sobrevivência, intrínseca a todos os seres vivos e a que trata do acúmulo desnecessário, humana e mais vinculada a um traço cultural. A avareza do bem, que garantiu a nossa presença na Terra, é tão antiga quanto a própria vida. O pecado surge das raízes biológicas para a sobrevivência - a necessidade e o desejo, diz Soulé. Se nossos ancestrais deixassem de buscar comida e sexo, não teriam resistido nem se preocupariam em manter a espécie. "Todas as espécies seriam extintas em poucos meses ou anos sem impulsos egoístas", afirma o especialista. No entanto, a necessidade é diferente da ganância. Todas as criaturas desejam e procuram energia e outros recursos de forma automática e instintiva, competindo com seres de sua e de outras espécies por recursos. Até as plantas competem por luz e nutrientes do solo. Já os humanos são capazes de saber, entender, debater, confessar e até mudar seu comportamento.

A nossa avareza é relativamente nova: surgiu há cerca de 10 mil anos, com a transição do homem caçador e coletor para o estágio civilizatório. Quando nos civilizamos, criamos instituições poderosas, como exército, dinastias, corporações, e, claro, dinheiro. O resultado é a manifestação dessa conduta em diferentes graus. "A ganância surge espontaneamente devido ao egocentrismo, incluindo egoísmo e orgulho, e pode se tornar virulenta quando os seres humanos são muito numerosos e os recursos e o poder se concentram em poucas mãos", afirma Soulé.

A ciência segue em busca dos motivos para esse comportamento antinatural. O que se pretende saber é se existem áreas do cérebro capazes de desencadear a cobiça e, consequentemente, o desejo de ter mais e mais. Para Soulé, a resposta é simples: sim. O biólogo lembra que pelo menos dez diferentes centros no cérebro são ativados quando a pessoa tem impulsos para praticar inveja, orgulho, ódio, gula, preguiça, luxúria e avareza, a maior parte deles localizada no sistema límbico, responsável pelas emoções.

Embora partes da área cerebral possam ser acessadas por comportamentos apontados como pecaminosos, não foi encontrado um gene ou definida uma região cerebral responsável diretamente pela sovinice. "O problema é como chegar à ciência da ganância sem a ajuda de células ou definições sólidas", afirma o neurocientista John Medina no livro The Genetic Inferno, Inside the Seven Deadly Sins.

Na tentativa de descobrir suas bases, a psicologia chegou à conclusão de que a ganância é a ambição nua (agressão), um medo paralisante de desenvolvimento (ansiedade) ou a combinação de ambos. "Enquanto não há muito a se dizer sobre a biologia da avareza, podemos falar sobre medo e ansiedade", defende Medina. Para ele, a cobiça, no sentido do desejo excessivo por mais e mais posses, é uma forma primitiva de detectar o perigo, o medo de que, de alguma forma, algo saia do controle - por isso o acúmulo, com o intuito de se precaver contra essa suposta ameaça - que nem sempre realmente existe. Medina usa como exemplo a história de Pedro, um português que teve uma infância muito pobre e foi tentar a vida nos Estados Unidos. Lá, realizou o sonho americano e conseguiu reunir um bom patrimônio. Mesmo assim, levava consigo atitudes dos tempos de miséria, como rasgar guardanapos pela metade para utilizá-los duas vezes e chegava ao ponto de recolher alimentos que considerava ainda bem aproveitáveis em latas de lixo da cidade. Tudo para economizar um dinheiro que, naquela altura de sua vida, já não faria falta para sua sobrevivência.

Medina compara essa atitude a uma reação de verdadeiro pavor. "Pedro certamente experimentou muito medo: fobia, ansiedade e até mesmo algum evento de estresse pós-traumático. Quando se vê diante da possibilidade de perder dinheiro na bolsa de valores de Chicago, é como se estivesse cara a cara com um urso rosnando, pronto para atacar", afirma. O medo da pobreza acabou causando uma reação extrema de sobrevivência, de guardar para garantir o futuro, mesmo quando não era mais necessário - e isso só os homens fazem.

Para a Igreja Católica, a inveja não passa de pai para filho inexoravelmente, mas há um porém. "Embora não seja transmitida, essa característica pode se perpetuar por uma má formação de consciência moral no ambiente familiar", diz o padre Leandro Miguel Chiarello, diretor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Os cristãos definem o pecado da avareza como um apego exagerado aos bens materiais, de modo especial pelo dinheiro, ouro, em resumo, pelos objetos de alto valor monetário. "Este pecado torna a pessoa mesquinha e egoísta e a deixa cega para a realidade do próximo, matando no avarento o princípio fundamental do cristianismo: a caridade", afirma.

Sob a ótica religiosa, são pessoas que não conseguem ser solidárias pela incapacidade de abrir mão daquilo que é seu em favor do outro. Já para a psicologia, esse apego não é, necessariamente, por dinheiro, mas sim pelo acúmulo - de riquezas, objetos, bens, coisas que não valem nada para as outras pessoas.


O peso dos hormônios 
Você tem um amigo que faz questão de dividir a conta, indicando detalhadamente quem bebeu água, quem preferiu vinho ou quem não partilhou do couvert? Ou uma amiga que esbanja generosidade, gastando muito mais do que devia com ela mesma e também com os outros? Um estudo desenvolvido em 2009 no Departamento de Economia da Universidade Graduada de Claremont (EUA) indica que o clichê da mulher esbanjadora e do homem poupador tem mesmo raízes científicas. Eles são mesmo mais pães-duros, e a culpada é a testosterona, hormônio masculino, que interfere no nível do controle na hora de lidar com recursos financeiros. Já a ocitocina, hormônio mais presente nas mulheres, estimula a generosidade - não é à toa que é chamada de hormônio do amor, responsável pelo cuidado com a prole e com a amamentação dos filhotes.

A testosterona funciona como um antagonista da ocitocina, explica o neuroeconomista Paul Zak, diretor-fundador do Centro de Estudos de Neuroeconomia e professor da universidade. Em um estudo inicial, avaliou-se que os níveis matinais de testosterona influenciavam no potencial de ganho e perda de dinheiro de 17 negociantes de Londres. Assim, os pesquisadores foram em busca das razões da relação entre o hormônio e os lucros.

Cada estudante recebeu uma bisnaga de gel com testosterona ou placebo em um teste cego e teve amostras de sangue recolhidas antes e depois de aplicar o produto para aferir a presença do hormônio. Depois, participaram de um jogo de computador, no qual tinham de partilhar quantias em dinheiro, conforme o que achassem justo.

Os voluntários com maior concentração de testosterona no sangue se mostraram 27% mais mesquinhos quando se tratava da divisão de valores do que os que passaram o gel sem hormônio. O resultado foi o oposto quando os estudantes se lambuzaram de gel com ocitocina. Neste caso, a generosidade dos participantes aumentou em nada menos que 80%. Como os homens têm 10 vezes mais testosterona do que as mulheres, costumam ser mais egoístas do que elas. Algo que certamente muitas mulheres já imaginavam...

Demônio - Mamon Uma mistura de ganância e obsessão por acumular, com uma pitada de egoísmo, a avareza é simbolizada por Mamon, demônio chamado de, veja só, o Senhor do Dinheiro. O coisa-ruim que representa o pecado do pão-durismo é um dos sete príncipes do andar de baixo. E, se você pretende vender a sua alma ao diabo, este é o seu homem no inferno. Mamon é o demônio que anda por aí com um saco de dinheiro, comprando almas aflitas a preço de banana.


Sovina é pouco O comportamento egoísta e de apego aos bens materiais inspirou a criação de muitos personagens e também trouxe à tona histórias reais 

Tio Patinhas 
Eleito o mais rico do mundo da ficção pela revista Forbes em 2011, o pato quaquilionário literalmente nada em dinheiro, mas não gasta um único centavo ¿ nem a moeda da sorte ¿, deixando os sobrinhos na maior dureza. Sua fortuna está avaliada em cerca de R$ 70 bilhões, segundo o ranking. Inspirado em Um Conto de Natal, de Charlie Dickens, é chamado de Uncle (Tio)Scrooge ou Scrooge McDuck em inglês.


Ebenezer Scrooge Um Conto de Natal, escrito por Charlie Dickens em 1843, conta a trajetória de Ebenezer Scrooge, um milionário mesquinho e solitário que se irrita com a alegria que toma conta de todos no Natal. Os três fantasmas de passado, presente e futuro mostram como será a sua vida se continuar sem abrir a mão nem para dar bom-dia e o milionário acaba caindo em si e se tornando melhor. Spoilers liberados aqui, já que a obra é de 1843.


Harpagão de Souza O dramaturgo francês Molière também imortalizou um dos sete pecados com a obra O Avarento, de 1668, que serve de inspiração até hoje para peças teatrais. Fala de Harpagão de Souza, um viúvo rico ganancioso, pai de um casal de filhos que mantêm relacionamentos amorosos com parceiros de classes sociais inferiores. O pão-duro ostenta no dedo um anel de brilhantes e tem uma arca cheia de dinheiro no jardim.


Michelangelo O renascentista italiano Michelangelo (1475-1564) viveu como um mendigo apesar de suas posses. É o que conta o professor de história Rab Hatfield, em seu livro A Riqueza de Michelangelo. Seu patrimônio era de 50 mil florins, algo em torno de US$ 55 milhões, pagos em especial pela Igreja Católica por conta de suas obras. Mesmo assim, vivia esfarrapado, comia e dormia mal e não ligava para a própria aparência.


Hetty Green A bruxa de Wall Street, como foi apelidada, apesar da fortuna de US$ 100 milhões na época em que viveu (1834-1916), não trocava o vestido e lavava apenas a parte de baixo, que arrastava no chão, para não gastar sabão. Ganhou as páginas do Guiness Book como a mulher mais avarenta do mundo. Apesar da notória mão de vaca, Hetty foi uma grande mulher de negócios e soube multiplicar a herança do pai.


Meu, meu, meu! A criança carente de hoje vai ser o pão-duro de amanhã para compensar a época de vacas magras 
A falta de um colinho na infância pode transformar um pequeno carente em um adulto pão-duro. Embora haja um processo comum a todos os seres vivos de pensar e garantir a própria sobrevivência, o que vai definir se o sujeito será um avarento contumaz ou um gastador compulsivo é a história de vida dele. "As pessoas têm um desenvolvimento único e pessoal, o que determina sua forma de interagir com o ambiente e dele extrair a segurança necessária", diz o neurocientista da USP Gilberto Xavier. "Os avarentos sentem necessidade de acumular e guardar. E dificuldade para compartilhar. É muito provável que isso tenha relação com a história de vida dessas pessoas."

Não se trata apenas de um apego excessivo ao dinheiro, e sim de um receio de perder o que se tem, das roupas às propriedades, da comida ao tempo, dizem os psicanalistas Fábio Belo e Lúcio Marzagão no artigo Avareza e Perdularismo, para a Universidade São Marcos, de São Paulo. O comportamento é consequência do que apontam como a pior das privações: afeição e acolhimento. Então, se repete a cena traumática. É como se o avarento quisesse ao mesmo tempo sobreviver e provar que pode superar os tempos de escassez eternamente.

O certo é que, segundo a psicanálise, todos já experimentamos a avareza em função da ligação a algum objeto especial: o travesseirinho da infância, uma flor seca dada pelo primeiro namorado, uma foto. A explicação é que o apego a coisas, objetos, memórias está sempre em continuidade com nossa história amorosa. O problema é que o avarento patológico tem um apego generalizado a suas coisas, quase sempre com foco no dinheiro. Daí a necessidade de tentar entender por que as relações amorosas do pão-duro estão tão comprometidas pela lógica racional da economia

Freud também meteu a colher na explicação da avareza. Em uma interpretação das teses do psicanalista, o comportamento pode estar conectado a problemas na chamada fase anal do desenvolvimento psicossocial. O cocô dos pequenos tem, para eles mesmos, um valor simbólico. A criança oferece suas fezes como um presente valioso à sua mãe, pois são um pedaço dela. "O avarento é como a criança que retém as fezes e quer guardar o que julga valioso apenas para si mesmo", afirma Fábio Belo.

A hora de procurar ajuda

Incapazes de se reconhecerem como egoístas e gananciosos, os avarentos normalmente só se dão conta de sua situação quando as pessoas próximas reclamam. Dos pacientes com esse tipo de comportamento que contatam o consultório de Patrícia de Rezende, psicóloga e orientadora em finanças pessoais, a maioria chega por recomendação de familiares e amigos ou por orientação médica. A surpresa é que, na hora de relatar o que os leva a buscar o tratamento, a maioria se define como esbanjadora. Reclama que os gastos são muitos e que não há como arcar com eles. "Mas essa escassez financeira, na verdade, esconde o real problema. O dinheiro está guardado e há uma dificuldade imensa em gastá-lo."

O primeiro passo, afirma a psicóloga, é entender as razões para esse tipo de comportamento e descobrir de que forma é possível ter o controle necessário sobre o medo excessivo da perda, econômica ou afetiva. Isso é possível com tratamento médico e terapia de apoio.

Já para a psicanálise, a cura da avareza está ligada ao entendimento do contexto de nossas trocas - financeiras e de carinho. "Por exemplo, todo mundo sabe que ter um filho é algo muito caro atualmente. Mas é completamente absurdo reduzir tudo o que a experiência de ter um bebê traz para os pais aos gastos que essa operação vai gerar", afirma Belo. Para o especialista, curar-se da avareza é abandonar a ideia de que economizar possa ser uma metáfora válida universalmente para todas as esferas de nossa vida. Afinal, afeto não é coisa que se guarde para ter mais tarde.

Preguiça

Se você sempre escolhe subir pelo elevador em vez de encarar a escada, esta reportagem é para você. Só não vale dizer que está com preguiça de ler






Subir de escada ou de elevador? Caminhar mais até a faixa de segurança ou atravessar a rua em qualquer lugar? Ir à academia hoje ou deixar para amanhã? São inúmeras as situações em que a preguiça não perde a chance de se manifestar. E são diversas também as causas e consequências de uma vida em marcha lenta, de depressão a fadiga.

Mal visto tanto pela Igreja Católica quanto pelo chefe, o preguiçoso se omite de fazer o bem ao próximo ou a si mesmo. É aquele que se nega a trabalhar, segundo o Livro dos Provérbios. Nas palavras do professor de teologia bíblica da PUC-Rio Isidoro Mazzarolo, "O preguiçoso não é solidário nem construtivo, não é outra coisa senão um parasita que espera que os outros façam as coisas por ele". Diferentemente dos outros pecados, o maior mal que um preguiçoso pode fazer é contra si. Então, por que diabos seria um pecado?

Aos olhos da religião, a recusa em explorar um talento em potencial pode ser condenável. "A preguiça é considerada um pecado porque é a negação do desenvolvimento da pessoa", diz Mazzarolo. Mas não é uma ode cristã ao santo protetor dos workaholics: o teólogo avisa que a preguiça não pode ser confundida com o lazer. "O descanso é um direito de quem trabalha", afirma o teólogo.

Claro, porque até Deus descansou no sétimo dia. Mas e quem está sempre inventando desculpa para evitar a fadiga, seja dia útil, seja feriado? "Aquilo que popularmente se chama de preguiça permeia os sintomas da depressão", afirma o professor do Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP Renério Fráguas Júnior.

Se do confessionário o preguiçoso sai com uma lista de ave-marias a rezar, do consultório quem se queixa de falta de interesse ou energia para diversas tarefas pode levar para casa o diagnóstico de depressão. Segundo o professor, a doença pode se manifestar nos níveis motor, cognitivo ou afetivo. É a preguiça presente na falta de agilidade para trabalhos que exigem esforço físico ou intelectual - como dificuldade de concentração - ou ainda na falta de iniciativa ou de vontade. "É comum ouvir que uma pessoa nessas condições `não se ajuda¿, `não vai atrás¿, mas são escolhas que fogem do seu controle. Seu processamento neurobiológico está diferente", afirma o psiquiatra da USP.

O professor afirma que a depressão é um conjunto de transtornos, e que hoje é o número de sintomas que determina se uma pessoa sofre do mal ou não e qual o nível da doença. Uma das características pode ser aquela preguiça que não nos deixa sair da cama para nada, seja para ir à academia, seja para uma festa com os amigos.

Para vencer os quadros mais leves, psicoterapia aliada a atividade física é uma alternativa de tratamento. "O exercício provoca a liberação de endorfinas, que atuam no sistema nervoso central, causando sensação de bem-estar e melhora do humor. A melhora da aparência física faz bem à autoestima, e ajuda na disposição e no ânimo", afirma Fráguas Júnior.

Nos mais graves, fica difícil escapar da medicação. A maioria dos antidepressivos aumenta a concentração de neurotransmissores no cérebro a fim de facilitar a comunicação entre os neurônios. Os mais utilizados atuam na produção de serotonina - cuja baixa presença no organismo é uma das causas da depressão. De acordo com o professor, dos pacientes curados, entre 10% e 30% ainda sofrem com a fadiga, um sintoma residual da depressão. Para atacá-la, é preciso mudar o antidepressivo para outros que estimulem a dopamina e a noradrenalina. Ou seja: antes de julgar o cunhado que passa os dias deitado no sofá, vale sugerir que ele procure ajuda médica - vai que aquela preguiça é mais que simples vagabundagem.


Demônio - Belfegor A preguiça, segundo pecado carnal, gera desleixo, apatia e negligência. Seu representante é Belfegor, cujos adoradores, segundo a Cabala, têm uma maneira peculiar de homenageá-lo: oferendas de excrementos - imagine se os preguiçosos teriam ânimo de fazer uma coisinha melhor... Antigos estudiosos da demonologia diziam que o poder de Belfegor é maior no mês de abril - portanto não estranhe se a preguiça for maior que o normal.


A desculpa do bicho-preguiça Você que está aí jogado no sofá, lendo esta revista e pensando no quão fácil é a vida de um animal que dorme 14 horas por dia e não faz praticamente mais nada além de comer quando está acordado, saiba que esse ritmo é o que ameaça o bicho-preguiça de extinção. As constantes queimadas nas regiões da Floresta Amazônica e Mata Atlântica deixaram o animal muito mais exposto à caça. "Ele é um dos poucos animais que não têm reação de fuga. Enquanto a floresta queima, ele fica ali paradinho. Seu único mecanismo de defesa é a autocamuflagem", afirma Vera Lúcia de Oliveira, bióloga da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, na Bahia, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Sua característica movimentação devagar-quase-parando é consequência de seu metabolismo lento. Com dieta de baixa caloria, à base de folhas, a preguiça não tem energia para levar uma vida mais ativa. Já você não tem essa desculpa...


O mundo é dos preguiçosos (e inteligentes) Não basta ser preguiçoso para se dar bem. É preciso ser inteligente. Mas não bastaria ser só inteligente? Aparentemente não. Peter Taylor recupera a história do exército prussiano liderado por Helmuth Karl Bernhard Graf von Moltke (1800-1891) para provar que os preguiçosos inteligentes são melhores líderes do que os inteligentes diligentes. Ele tinha um modo muito peculiar de enxergar os perfis entre seus oficiais, algo que pode ser aplicado em qualquer forma de liderança. O militar dividia os combatentes em quatro perfis, de acordo com seus níveis de inteligência e preguiça.

Os inteligentes diligentes se mostravam obsessivos com detalhes, o que pode ser bom para garantir que as coisas funcionem, mas os torna líderes pobres. Já os inteligentes preguiçosos eram apontados por Von Moltke como os melhores líderes. Esses oficiais eram espertos o suficiente para ver o que precisava ser feito, mas, por serem preguiçosos, encontravam a maneira mais fácil para conseguir o que era necessário. "Pensando de uma forma mais positiva, eles saberiam como serem bem-sucedidos com menos esforço", diz Taylor.


A. Deixe-os quietos Pode ser que eles apresentem uma grande ideia. Um dia.


B. Promova-os à liderança
Eles saberão aplicar adequadamente os recursos.
C. Mande-os embora Eles tendem a deixar a organização ocupada com atividades inúteis.

D. Mantenha-os na posição de staff Eles cuidarão de todos os detalhes.



Preguiça gera preguiça Se a sua preguiça nada tem a ver com depressão, levante da cadeira: quem é sedentário tende a se manter parado - e se mexer cada vez menos

Cabeça
A preguiça é uma espécie de mecanismo de defesa do sedentário. Pensar em uma atividade que demande esforço trará à memória o desconforto que aquela ação causa.


Coração
Como qualquer músculo, perde pouco a pouco a capacidade funcional. Como consequência, terá de bater mais rápido para enviar o mesmo volume de sangue ao corpo que um coração "atleta".


Pulmões
A capacidade dos pulmões de atletas é superior à de sedentários. Por isso, a respiração do preguiçoso fica ofegante até em caminhadas curtas.


Músculos
Há encurtamento da capacidade muscular e podem até ocorrer atrofias.


A cura
Não podia ser outra: exercício. Com atividade física, aumenta a presença de mitocôndrias no músculo, responsáveis por produzir energia e garantir melhor desempenho. O coração passa a ser um órgão com melhor competência para bombear sangue e melhora também a capacidade respiratória. Assim, a preguiça vai embora.


Genes da moleza Foge da academia como o diabo da cruz? Sua resistência em malhar pode ser mais que uma questão de escolha 
Temos boas notícias para você que só sobe um lance de escada quando falta luz. Talvez a desculpa que tanto procura esteja (bem) dentro de você: nos seus genes. Mais do que uma resposta comportamental, pode haver uma razão genética para sua eterna fuga do esforço.

Essa foi a hipótese de J. Timothy Lightfoot, professor de cinesiologia (ciência que estuda os movimentos) na Texas A&M University, nos Estados Unidos, quando começou a investigar o assunto, em 1998. Mesmo com os benefícios da atividade física para a saúde mais do que conhecidos, o que intrigava o médico era a recusa de algumas pessoas em ter uma rotina de exercícios. Assim, começaram a desconfiar de que incluir a atividade física na rotina poderia ser mais do que uma questão de escolha.

Hoje existem pelo menos 15 estudos que comprovam uma predisposição genética para a falta de ânimo para exercícios físicos, diz Lightfoot. Nenhuma dessas pesquisas mostrou uma influência externa comum sobre os níveis de atividade diária - falta de tempo, dinheiro, disponibilidade, o que reforça a teoria de razões genéticas para a preguiça.

Em uma pesquisa de 2008, Lightfoot e sua equipe observaram, por três semanas, dois grupos de camundongos, considerando aspectos como velocidade e distância percorrida. Ao final, foram mapeados os genes dos ratinhos e identificadas 20 localizações genômicas que influenciaram nos níveis de atividade física do animal. Como 79% dos genes dos ratos são iguais aos nossos, é provável que tenham o mesmo papel em humanos.

Lembra do infográfico da página 37 que fala nas mitocôndrias, responsáveis por produzirem energia para o músculo e originadas a partir do exercício físico? Um estudo de 2011 da McMaster University, no Canadá, revelou que a chave da regulação das mitocôndrias está na enzima AMPK, ligada quando a pessoa se exercita. A descoberta, liderada pelo professor Gregory Steinberg, foi feita a partir de uma experiência em camundongos na qual foram removidos do músculo principal do exercício dois genes que controlam a proteína. Resultado: os ratos sem os genes corriam bem menos do que seus irmãos saudáveis.

Dificilmente um humano nasceria sem esses genes, afirma Steinberg. O que o estudo indica é a dificuldade em começar uma atividade física por quem tem uma baixa produção de mitocôndrias. "Acreditamos que, com a inatividade crônica e obesidade, comuns atualmente, a quantidade de AMPK ativas no músculo cai paulatinamente", afirma. O estudo corrobora a tese de que é mais difícil voltar para a academia depois de muito tempo parado.

Mas não esteja tão otimista com a possibilidade de usar a genética como pretexto para a preguiça. Lightfoot diz que predisposição não é o mesmo que predestinação, e as pessoas são capazes de driblar inclinações genéticas. Ou seja, parece que não há religião nem genética que perdoe uma vida mole.

Hora de dormir Você nunca entendeu por que tem gente que acorda cedo mesmo no fim de semana, quando não tem compromisso? A resposta também pode estar entre os genes humanos. 
Independentemente da rotina, as pessoas têm horários de dormir diferentes. Também varia a quantidade de horas que satisfaz cada um. "Há os dormidores mais curtos, que ficam bem com menos tempo de sono. Outros precisam de uma quantidade maior. Isso é determinado geneticamente. Quando não é respeitado, por questões de ordem social, por exemplo, o indivíduo fica mais sonolento - o que pode ser confundido com preguiça", diz a neurologista e médica do sono Anna Karla Smith.

O famoso relógio biológico - que fica no hipotálamo - é regulado por genes, mas, de acordo com Anna Karla, ainda não foi possível localizar exatamente que cromossomo responde por esse controle. Essa engrenagem interna também está suscetível a outros estímulos. O principal é a luz do ambiente: o escurinho estimula a produção de melatonina, responsável por nos induzir ao sono.

Se você faz cara feia para todo compromisso marcado no primeiro horário da manhã, pode ter o gene da vespertilidade - que, lamentamos informar, ainda não é socialmente aceito como desculpa para se atrasar para o trabalho. Se não for possível adequar sua rotina à sua predisposição genética, é preciso se adaptar ao estilo de um matutino. O que, segundo a médica Anna Karla, é possível. "Tentar acordar mais cedo, aos poucos, é uma alternativa", diz. Ou seja, uma passadinha na academia antes de começar o expediente pode ser o remédio para começar a mudar de estilo de vida. Para vencer a preguiça, é preciso se mexer.

Não é preguiça, é eficiência Se você tem um desafio, escolha o preguiçoso para resolvê-lo - ele vai encontrar um meio rápido e fácil 
Imagine-se gestor de uma equipe em uma empresa de telemarketing. Ou em um supermercado, não importa. A questão é que você tem a missão de escolher qual dos funcionários vai executar a tarefa mais difícil do planejamento do mês. Vamos começar eliminando os menos capazes. Quem seria o primeiro profissional a ter seu nome riscado da lista? Se você pensou no preguiçoso, perdeu a chance de encontrar um jeito mais fácil de executar tal missão.

Assim pensava Walter Chrysler, fundador da fabricante de automóveis americana que leva seu sobrenome. "Sempre que há um trabalho difícil para ser feito, eu o atribuo a um homem preguiçoso; ele certamente achará um jeito mais fácil de fazê-lo." A citação atribuída a Chrysler está no livro The Lazy Project Manager (O Gestor de Projetos Preguiçoso, sem edição em português), do britânico Peter Taylor, que aposta na capacidade de aplicar a lei do menor esforço do profissional preguiçoso.

Já na abertura da obra, o autor faz questão de deixar claro que a preguiça produtiva à qual ele se refere não é sinônimo de ficar sem fazer nada ou se sentar à volta de uma mesa para saborear um café, enquanto se esgotam os prazos das suas tarefas. Apesar do título do livro sugerir um guia para os malandros no trabalho, o propósito é ensinar as pessoas a focar no que importa, fazer mais com menos esforço. Para isso, ele se vale de raciocínios e histórias reais - e até de uma animação da Disney. Ok, ele tem seus créditos - Taylor já trabalhou na IBM e na Siemens, como gestor de projetos, e está na área há 26 anos. "No final de um grande projeto, que durou três anos, percebi que a forma com que isso tinha consumido finais de semana e noites e o estresse que tinha me dado eram insustentáveis", afirma. A partir daí, Taylor começou a tentar reduzir os níveis de esforço no trabalho.

No livro, o autor explica que a ciência do que ele chama de a arte da preguiça está fundamentada no Princípio de Pareto (ou a Regra dos 80 por 20), segundo o qual 80% das consequências resultam de 20% das causas. E isso pode ser aplicado a diversas situações. De acordo com essa regra, você usaria 20% das suas roupas preferidas em 80% do seu tempo - aquele monte de peças esquecidas no fundo do armário confirma a tese, certo? Ou ainda: 20% dos clientes de um estabelecimento podem ser responsáveis por 80% do montante das vendas - e isso pode ser útil na tomada de decisões futuras, diz Taylor.

O princípio foi sugerido pelo consultor de negócios Joseph M. Juran e levou o nome do economista italiano Vilfredo Pareto após ele ter observado que 80% da propriedade na Itália estava nas mãos de 20% da população. Isso quer dizer que a maioria dos resultados, de qualquer natureza, seria determinada por um pequeno número de causas. Taylor sugere que os indivíduos identifiquem esses 20% e não percam tempo com o restante. Focar no que realmente importa, como dizem os livros de autoajuda, parece fazer mesmo sentido.

Para saber mais The Lazy Project Manager
www.thelazyprojectmanager.com (em inglês)


The Art of Laziness
Peter Taylor, Infinite Ideal, 2011


Gula

Essa barriguinha não é só de cerveja. Sua origem tem pelo menos 5 milhões de anos e já foi um sucesso - pelo menos para a evolução humana






Nunca estivemos tão gordos. Há 1,5 bilhão de obesos no mundo - contra 925 milhões de desnutridos, segundo relatório da Cruz Vermelha de 2011. Enquanto corremos atrás de dietas da moda, reeducação alimentar e cirurgias de redução do estômago, é bom ter em mente que a raiz dos pneuzinhos é muito anterior à lasanha do domingo passado - pode estar em um passado longínquo, há pelo menos 5 milhões de anos, no organismo dos nossos primeiros ancestrais. E a gordura corporal que hoje é vista como vilã é uma das razões do sucesso da evolução. Não fosse a capacidade de guardar energia de nossos antepassados, não estaríamos aqui para contar a história - ou comer um hambúrguer.

A gula não é apenas um capricho do homem. "É um poderoso instinto para que o animal guarde a maior quantidade possível de energia", defende o professor José Enrique Campillo Álvarez, professor de fisiologia da Universidade de Extremadura, na Espanha. O médico é autor do livro O Macaco Obeso, no qual explica que o quadro grave de obesidade no mundo, segundo a medicina darwiniana, é resultado de um problema no desenho evolutivo do homem. "Estamos entre os animais mais gordos que existem. Isso proporcionava vantagens de sobrevivência em condições de vida paleolíticas", afirma Álvarez.

Em mais de 5 milhões de anos de desenvolvimento, nossos antepassados precisaram se adaptar a uma série de mudanças climáticas, como grandes períodos de glaciamento e seca, e resistir a temporadas extensas de fome. Por causa dessas adversidades, o organismo humano teria desenvolvido características genéticas que ajudavam no acúmulo de gordura em períodos de abundância de alimentos. A tese do chamado genótipo frugal foi proposta pelo geneticista americano James V. Neel, da Universidade de Michigan, que aposta em conjuntos de genes responsáveis por uma fome instintiva, somada à cautela de poupar gordura.

Outra característica metabólica surgida nesse período foi o desenvolvimento de uma resistência à insulina, o hormônio que regula a absorção de glicose pelas células, e à leptina, o hormônio da saciedade. É interessante notar como uma pizza ou um hambúrguer apetecem muito mais do que, digamos, uma folha de alface, diz Pedro Furtado Calabrez, professor de filosofia e neurociência na ESPM-SP. "Na savana africana, onde surgiram os símios superiores, gordura e açúcares eram recursos escassos. Imagine o trabalho que teríamos para comer um bife 200 mil anos atrás." Para explicar nossa vontade de comer um chocolate em vez de brócolis, Calabrez lembra que nossos ancestrais que experimentavam prazer ao comer gordura e açúcares tiveram maior sucesso reprodutivo e transmitiram seus genes com maior eficiência - justamente por sobreviverem às intempéries. "Por isso é tão raro encontrar alguém que não goste de doces e comidas gordurosas, como fast-food", diz Calabrez. Bom para os nossos antepassados, pior para nós.


Feito para engordar

O problema é que a comida parou de ser escassa - mas a predisposição para estocar gordura continuou presente. O início da agricultura há mais de 10 mil anos e o processo de industrialização a partir do século 18 são dois marcos fundamentais para a transformação da dieta alimentar.

O acesso à comida ficou mais fácil com a produção agrícola, e, onde há alimento abundante, há explosão demográfica. No organismo, este bufê livre teria reduzido a pressão seletiva para a resistência à insulina e, consequentemente, a prevalência dos tais genes poupadores de gordura, nas gerações futuras. Ou seja - está mais fácil ficar gordo, pois as condições são ideais: muita comida e predisposição genética.

Investigações recentes sustentam essa teoria. Uma pesquisa realizada com 29 populações indígenas do México e da América Central mostrou a incidência de uma mutação genética que atuaria diretamente na membrana que controla o nível de colesterol nas células. A consequência é um acúmulo de 30% mais colesterol, afetando a composição de hormônios e servindo como estoque de energia.

Nos últimos 40 anos, essa alteração vem favorecendo a obesidade entre esses povos e, consequentemente, contribuindo para um elevado índice de diabetes. A pesquisadora Tábita Hünemeir, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que participou do estudo, acredita que a explicação seja justamente a hipótese do genótipo frugal, e a causa da dispersão da alteração pode ter tido como fator catalisador o cultivo do milho, cereal que é base da alimentação desses povos.

Os pesquisadores acreditam que, depois de aprender a plantar o milho, os indígenas se tornaram mais sedentários e com isso a população se multiplicou. Se comprovada a hipótese de que essa domesticação do milho contribuiu para espalhar a mutação na América, o caso será o primeiro registrado de seleção natural influenciada pela agricultura entre povos nativos americanos, diz a pesquisadora da UFRGS.


Um cérebro gordo Mas, além dos genes, a resposta para o desenvolvimento da obesidade pode estar no cérebro. Mais precisamente no hipotálamo, que é parte das regiões mais primitivas do cérebro e diretamente envolvido no controle da fome e do gasto energético.

Estudo realizado no Laboratório de Sinalização Celular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp com pacientes obesos antes e após cirurgias de redução de estômago mostrou que o cérebro de pessoas obesas têm um funcionamento diferente do de pessoas magras. Para os pesquisadores, essa pode ser a chave do desenvolvimento do excesso de peso. "Hoje, acreditamos que a obesidade decorra de algum erro no processamento de informações que chegam ao sistema nervoso central", diz o pesquisador Lício Velloso do Departamento de Clínica Médica da universidade, coordenador do estudo de Campinas.

A falha é causada, principalmente, pelo consumo em excesso de gordura saturada - encontrada em fast-food, por exemplo - e acontece quando o cérebro se torna resistente à leptina, hormônio produzido no tecido adiposo e que indica ao hipotálamo o quanto já temos de energia estocada e por que devemos parar de comer. Com esse desequilíbrio, o cérebro não registra mais o quanto há de gordura estocada - o que prejudica a sensação de saciedade. Os estudos também indicavam que a resistência à leptina era uma característica metabólica desenvolvida por nossos ancestrais para acumular gordura. Naquela época, fazia sentido: eram tempos que oscilavam entre abundância e escassez de alimentos. O resultado: a gula - e, hoje, o consequente aumento de peso.

Mas nem só dessa característica se cria uma barriguinha. De acordo com especialistas, comer exageradamente não é a única causa da obesidade. "Está comprovado que a doença sofre influência de agentes que independem do modo de vida do indivíduo, como hereditariedade, fatores ambientais, biológicos e comportamentais", diz Ricardo Cohen, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica. Para Velloso, a gula não é um pecado. "Não é apenas uma questão de comportamento. O obeso não tem como controlar porque ele não tem a sensação de saciedade." Para esses, toda gula será perdoada.


Demônio - Belzebu 
Atenção você que comete o pecado da gula com frequência: não se acostume com o doce sabor do sorvete. Se os cristãos da Idade Média estiverem certos, seu futuro é no inferno - ganhando papinha de Belzebu à base de sapos e água podre. Chamado de o Senhor das Moscas, o capeta que representa os comilões também é príncipe do inferno, e de alto escalão, já que costuma ser considerado um equivalente do próprio Satã.


Maldição da natureza 
Não há consenso sobre quando o corpo humano passou a ser mais poupador de energia (se foi no Paleolítico, entre as populações caçadoras-coletoras ou mais tarde, quando o homem já era agricultor), mas acredita-se que essa pode ser a origem da predisposição genética no ganho de peso. Em tempos de abundância de comida, alguns genes fariam com que o corpo estocasse mais gordura para uma eventual privação. Quando essa escassez não chega, quem aparece é a barriga.


Orangotangos glutões 
Comer em excesso não é apenas uma característica dos humanos. Pelo menos é o que mostra uma pesquisa da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, nos EUA, publicada na revista Biology Letters. Os primatas têm o mesmo comportamento de nossos antepassados que se empanturravam em épocas de fartura para reservar energia para tempos de maior escassez dos alimentos. De acordo com a antropóloga evolucionista Erin Vogel, os primatas são os únicos na natureza a armazenar gordura. Para chegar a essa descoberta, foram coletadas amostras de urina de orangotangos da ilha de Bornéu, na Ásia, ao longo de cinco anos, nas quais foi possível identificar que nos períodos em que a oferta de alimentos era menor os primatas queimavam gordura obtendo energia dos tecidos do corpo. O estudo concluiu que essa característica garante chances de sobrevivência da espécie, que está ameaçada. Existem apenas 50 mil em Bornéu e 7 mil em Sumatra, na Indonésia, os únicos dois lugares em que podem ser encontrados na natureza.

A evolução da barriga Em 5 milhões de anos, passamos de baixinhos sarados a gordões - será um novo passo na evolução? 5 milhões de anos - Ardipithecus Ramidus (1,20 m e 27 kg)
Frutas, folhas, raízes e verduras, além de insetos, répteis e pequenos mamíferos faziam parte do menu. Onde hoje estão Quênia, Etiópia e Nigéria, o clima permitia a fartura em todas as estações. Já tinha grande sensibilidade à insulina - hormônio que permite a assimilação eficiente de glicose pelas células.

Comida escassa Períodos de seca e resfriamento transformaram florestas em savanas. 
3,5 milhões de anos - Australopithecus Afarensis (1,20 m e 30 kg)
Foi o primeiro a enfrentar a fome. Lucy, descoberta na Etiópia na década de 1970, era bípede e precisava caminhar para achar folhas, frutos secos, talos fibrosos e tubérculos. Para sobreviver aos grandes períodos sem comida, desenvolveu características para armazenar reservas de energia.


Dieta de engorda Surge o genótipo frugal, que permite ganhar gordura com rapidez. 
1,5 milhão de anos - Homo Ergaster (1,80 m e 60 kg)
Se alimentava de insetos, répteis, moluscos, peixes e mamíferos, uma dieta mais rica em proteína. Com a dieta carnívora, teve um aumento de glicose no sangue e um aumento da presença de aminoácidos no organismo - nas proteínas e nos construtores da musculatura.


Cabeça de gordo O cérebro dobrou de tamanho, aumentando o consumo de energia.

40 mil anos - Homo Sapiens Sapiens (1,70 m e 60 kg)

Alta concentração de proteína e poucos carboidratos no cardápio - quase uma dieta de south beach. Resultado: com um gasto maior de energia e mais massa magra no corpo, o porte era de atleta. O físico resistente os preparou para os longos períodos de esfriamento do planeta.


Mesa farta para todos A agricultura e mais tarde a industrialização facilitaram o acesso aos alimentos mais calóricos. 
Hoje - Homo Obesus (IMC 30 a 34 kg/m2)

Tudo é muito: alimentos baratos e de fácil acesso, grande quantidade de gorduras saturadas, muita carne, carboidratos de rápida absorção e açúcar. O número de obesos no mundo já passa de 1,5 bilhão. O tal genótipo poupador deixou de ajudar na sobrevivência para estimular a obesidade.


Fonte - Dr. José Enrique Campillo Álvarez, autor do livro O Macaco Obeso, professor do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Extremadura, em Badajoz (Espanha), e pesquisador dos aspectos metabólicos e endocrinológicos da medicina evolucionista. Cruz Vermelha Internacional.


Ai, que fome!
Entre duas horas e seis horas depois de comer, lá vem ela de novo - a fome. E, conforme comemos, o corpo emite sinais de saciedade

A. Imediata Logo que a comida chega ao estômago, os níveis de grelina, o hormônio da fome, diminuem. Comer devagar faz o corpo notar que está satisfeito. Mastigue por 20 segundos.


B. Intermediária O alimento chega ao duodeno, e entra em cena o hormônio colecistoquinina, que controla a digestão alimentar. Os níveis de nutrientes, como a glicose, aumentam. Nesta etapa, a insulina, produzida no pâncreas, e a leptina, no tecido adiposo, vão indicar ao hipotálamo que já estamos satisfeitos.


C. Tardia A leptina leva ao sistema nervoso central a informação sobre a quantidade de energia que está sendo estocada e nos faz comer menos. A gula, ou melhor, uma falha no processo de informação para o cérebro - a resistência à leptina - nos faz perder o controle sobre a fome e a saciedade.


Para saber mais 
Gula - História de um Pecado Capital
Florent Quellier, Editora Senac, 2011


El Mono Obeso
José Enrique Campillo Álvarez, Editora Crítica, 2011 http://abr.io/mono (em espanhol)

Raiva

Ter um dia de fúria é normal - e a culpa é do seu lado mais primitivo, que pode transformar uma pequena faísca em uma enorme explosão






A fila era única para quem queria acessar um dos dois terminais bancários em um supermercado movimentado de Porto Alegre. Num dia quente de janeiro, sete pessoas aguardavam sua vez quando surgiu um afobadinho que decidiu ir direto para um dos terminais recém-liberados furando a fila. Nesse dia, o autodeclarado tranquilo jornalista Caue Fonseca, 29 anos, não se conteve - chamou a atenção do folgado. Recebeu um palavrão como resposta. "Quando o cara ainda argumentou que estava certo, fiquei furioso. E, quando ele percebeu que eu fiquei bravo, foi a vez de ele ficar mais raivoso ainda", comenta. A faísca deu início a uma discussão, que culminou em dois socos no rosto do jornalista.

"É uma escalada muito rápida. A gente acaba não se reconhecendo, e, quando percebe, o resultado: dois murros na cara", diz. Fonseca, que não costuma se envolver em brigas, reconhece que antes do episódio já não estava em um dia muito bom, perto de seu limite - do contrário, teria tido sangue-frio para deixar o esquentadinho de lado após os primeiros palavrões. Provavelmente, cruzou com outro sujeito que também estava prestes a explodir.

A ira parece irracional - e, de certo modo, é mesmo. No cotidiano, surge quando nossos objetivos são bloqueados ou testemunhamos uma injustiça, diz o psicólogo social Simon Laham, autor de The Science of Sin: The Psychology of the Seven Deadlies - And Why They Are So Good for You (A Ciência do Pecado: A Psicologia dos Sete Pecados Capitais - e Por Que Eles São Tão Bons para Você, sem edição em português). Quanto mais queremos algo, mais raivosos ficamos se impedidos. São as amídalas entrando em ação. Os sentimentos raivosos nascem nessas estruturas que se localizam em uma primitiva parte do cérebro (veja página 22). Suas respostas a uma ameaça são reguladas pelo córtex, no lobo frontal, região de funções mais complexas. É ele quem escolhe se vamos argumentar, xingar ou bater - capacidade que nos diferencia dos animais, incapazes de ponderar. "Nossas áreas cerebrais ativadas são as mesmas de um urso, mas temos maior quantidade de córtex e, por isso, somos mais capazes de modular a raiva", explica o neurocientista e professor John Fontenele Araujo, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ritmicidade, Sono, Memória e Emoção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Para garantir a preservação da espécie, a raiva funciona como um mecanismo de auto-defesa que o cérebro dispara ao detectar o que acredita ser um perigo. A agressão é uma das formas de expressar ira, mas não um sinônimo. "Na maioria das vezes, a raiva não leva à violência, e é melhor que seja evitada. Mas, se você parecer ameaçador, seu oponente vai recuar", diz Michael Ewbank, pesquisador das bases neurais das emoções no Medical Research Council Cognition and Brain Sciences Unit, em Cambridge, na Inglaterra.

O historiador Thomas Dixon, diretor do Centro para a História das Emoções em Queen Mary, na Universidade de Londres, lembra que a ira, mal direcionada e expressa de forma violenta, sempre foi considerada pecaminosa. A raiva moderna toma novas formas, como no trânsito e até no ar - air rage é o termo em inglês para o comportamento violento de passageiros ou da tripulação em um avião, geralmente durante um voo. Fora aquela que surge da frustração e da impotência em frente à impressora que não funciona, à internet que cai, à falta de sinal no celular...


Descontrole total 
Se você for do tipo pavio curto, a razão pode estar no cérebro - e na genética. A forma que os genes influenciam a raiva ainda não foi totalmente desvendada, mas a neurocientista Molly Crockett, da Universidade de Zurique, na Suíça, afirma que existem evidências de que variações em um gene (MAOA) influenciem no circuito cerebral da raiva e de seu controle.

São também os genes que desempenham papel importante nos níveis de certos neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina - ambos envolvidos na agressividade. A serotonina pode influenciar naquela conversinha entre as amídalas e o córtex pré-frontal que controlaria a raiva, diz a cientista.

Por isso, ficamos irritados quando estamos com fome ou cansados - nessas situações, ocorre uma flutuação dos níveis de serotonina. Em um estudo da Universidade de Cambridge em que a pesquisadora tomou parte, descobriu-se que quem tem uma tendência natural a se comportar agressivamente tem a comunicação ainda mais fraca entre as duas partes do cérebro após a redução do neurotransmissor - ou seja, fica mais difícil para o córtex segurar a raiva primitiva gerada pelas amídalas. Essa comunicação deficiente faz com que, em vez de respirar, ponderar e contar até 10, o sujeito se deixe dominar pela fúria (veja página 22).

Acha que a briga entre aqueles dois marmanjos começou por ter "muita testosterona junta"? Partes do cérebro envolvidas na raiva são realmente sensíveis a hormônios como esse, e, em geral, homens têm níveis mais elevados de testosterona do que mulheres, principalmente na fase reprodutiva. No entanto, John Medina, autor do livro The Genetic Inferno - Inside the Seven Deadly Sins (O Inferno Genético - Por Dentro dos Sete Pecados Capitais, sem edição em português), afirma que a testosterona pode ser capaz de agravar uma tendência agressiva já em andamento, mas não é a origem de um comportamento agressivo.

Cérebros e corpos femininos e masculinos respondem basicamente da mesma maneira quando as amídalas decidem virar a chave para o modo raiva. Homens tendem a ter atitudes mais violentas do que mulheres, mas circunstâncias diferentes podem levar a diferentes tipos de agressão, afirma o pesquisador Michael Ewbank. Elas têm o equilíbrio mental desafiado todo mês pela tensão pré-menstrual (TPM). De novo, a serotonina tem seu papel. "Fatores hormonais provocam alteração da concentração da serotonina e, por isso, o humor passa a variar de acordo com essa oscilação. Quando o estrogênio está alto, o neurotransmissor permanece mais tempo no organismo. Quando a progesterona está alta, ela destrói a serotonina mais rapidamente, e a sua falta causa os sintomas da TPM - e a fúria feminina que parece vir de lugar nenhum.

Em geral, crianças e adolescentes perdem o controle mais facilmente porque o lobo frontal - responsável pela tomada de decisão de atacar ou recuar - não está completamente desenvolvido até o fim da adolescência, lembra Ewbank. Conforme ficamos mais maduros, a possibilidade de termos ataques de cólera diminui consideravelmente. Ainda bem.

Loucura temporária 
Todo mundo pode ter um dia de fúria - como o do personagem William Foster, de Michael Douglas, no filme homônimo -, com uma série de condições que levariam a esse comportamento. "É como se o córtex tivesse ido à falência, ficado incapaz nesse momento", diz o neurocientista John Araujo. No século 18, a ira era vista como loucura temporária, afirma o historiador Thomas Dixon. Hoje, como algo que precisa ser tratado e gerenciado. No entanto, ela não é uma doença, mas uma emoção. Suas variações, sim, podem ser perigosas", afirma o psicólogo forense Jason Jones, do Centro de Terapia Racional-Emotiva Comportamental da Universidade de Birmingham, na Inglaterra.

Por anos, especialistas acreditaram que extravasar era o melhor remédio. Hoje, defende-se que essa catarse não funciona. A irritação de Caue Fonseca, lá do começo da reportagem, só lhe rendeu dois olhos roxos, que, a propósito, ficaram impunes: o agressor fez compras tranquilamente no supermercado e, quando a Polícia Militar chegou ao local, ele já estava longe. Jeffrey M. Lohr, do Departamento de Psicologia da Universidade do Arkansas (EUA) e autor de estudos sobre a raiva, afirma: "Expressar raiva provoca mais raiva, em vez de reduzi-la. O melhor é aprender como ser assertivo ou como regular suas emoções para diminuir a fúria". Ou, como diz o clássico ditado inglês, Keep calm and carry on.

Demônio - Satanás 
O hit de verões passados não deixa dúvida: na casa do Senhor não existe Satanás - e, naturalmente, não há ódio, vingança, violência, crueldade e irracionalidade. Satanás, o ilustre demônio que representa o pecado da raiva, aproveita a fagulha de ira para transformá-la numa explosão de fúria - não é à toa que o inferno está em chamas. E aí já viu: o descontrole aparece rapidamente e o pecador quebra tudo, de objetos a narizes.


Uma violenta emoção? 
A palavra raiva não consta no Código Penal Brasileiro nem como atenuante, nem como agravante de pena, segundo o advogado criminalista Sergei Cobra Arbex. No entanto, a legislação considera uma "violenta emoção" atenuante de pena, se o crime é cometido após uma injustiça provocada pela vítima - mas não há um consenso. A raiva doentia pode fazer com que uma pessoa, se considerada incapaz por meio de laudo, responda por uma ação penal, mas fique isenta de pena.

Pesquisadores do King¿s College da Universidade de Londres investigaram, por meio de ressonância magnética, o cérebro de psicopatas condenados a crimes como assassinato, estupros seguidos de estrangulamento e cárcere privado. Eles encontraram uma redução significativa na conexão entre as amídalas (sim, aquelas onde a raiva nasce) e o córtex orbitofrontal, a região das tomadas de decisão. O grau de anormalidade estava relacionado ao grau da doença. Para os cientistas, essas diferenças possibilitam uma explicação biológica para a psicopatia.


Um dia de fúria O ataque de raiva costuma durar não mais de 15 minutos. Mas muitas coisas acontecem no cérebro e no corpo 
Narinas Elas se abrem - o que permite maior entrada de oxigênio, que servirá de "combustível" para órgãos e músculos, caso precisemos lutar.


Sobrancelhas A testa se franze e os olhos ficam menores - o que faz a fronte parecer maior e protege a visão, se partirmos para a briga. Em momentos de raiva intensa, alguns descrevem perda da visão periférica.


Mandíbula
A região fica cerrada, indicando grandes níveis de testosterona, o que serviria para diferenciar o rosto masculino do feminino ou infantil.


Dentes Ficam à mostra - pela mesma razão dos macacos: mostrar ao inimigo que somos capazes de morder.


No cérebro Hipotálamo Responsável pelas respostas fisiológicas: coração disparado, suor, rosto vermelho. O sangue vai mais para as mãos do que para as pernas - nos preparando para lutar, e não para correr.


Amídalas Avaliam a reação de acordo com o que foi visto ou ouvido e decidem se você vai ficar com medo ou com raiva.

Córtex pré-frontal Corrige possíveis erros e determina nossa reação. As respostas mais primitivas (socos, gritos) são as primeiras da lista. As mais complexas, influenciadas por questões morais, são as últimas.



Esquentadinho ou em chamas?A ira é um pecado de diferentes graduações. Veja até que ponto pode chegar a fúria - e quando ela vira um problema LABAREDAS DESCONTROLADAS
O grau máximo vem com desejo de destruição, e o ponto extremo seria matar alguém como expressão do ódio.

FOGO ALTO
O irado pode não agredir alguém, mas quebra o que estiver ao redor.


ALERTA VERMELHO
A raiva passa a ser excessiva quando episódios ocorrem repetitivamente, como se irritar com várias pessoas diferentes ao longo do dia.


FOGO MÉDIO
Neste estágio, a raiva não leva a piores consequências, mas uma forma negativa é a que motiva o bullying e o preconceito.


FOGO BRANDO
A irritação seria um "primeiro grau" da raiva, aquela que surge quando, em uma conversa, você defende com maior ênfase seu ponto de vista.


PODE SER SAUDÁVEL?
A raiva saudável é aquela que nos torna capazes de protestar e nos autoafirmar - sem ela, seríamos ou muito submissos ou muito explosivos.



Manada de raivosos De zebras a valentões, a fúria coletiva causadora de bullyings virtuais a linchamentos vem da segurança de estar em grupo 
O motorista de ônibus Edmilson dos Reis Alves passou mal enquanto dirigia. Perdeu o controle do veículo e bateu em carros e motos. Mas não foi um mal súbito que o matou. Ele morreu ao ser espancado por cerca de 20 pessoas na noite de 27 de novembro do ano passado, na zona leste de São Paulo. Até um extintor de incêndio foi usado na agressão. Esse tipo de fúria coletiva, que leva a linchamentos e confrontos, é um comportamento de causas múltiplas e ainda não totalmente compreendido pela ciência, afirma o professor John Araujo. Mas o especialista indica dois aspectos em especial.

Quando em um grupo ou em uma multidão, ficamos mais valentões, nos percebendo mais seguros para sermos mais agressivos - mesmo na natureza é assim: uma zebra não enfrenta um leão, mas um monte de zebras encararia a fera. A segunda causa envolve o comportamento de imitação: "Quando um indivíduo faz alguma coisa e outros repetem, a tendência é imitar. Você está junto a um grupo, e alguns começam a jogar pedras em um imóvel. Quando menos espera, também poderá estar repetindo o mesmo comportamento", afirma.

Raiva da polícia foi considerada um dos combustíveis dos distúrbios ocorridos na Inglaterra, em agosto de 2011, por um estudo do jornal britânico The Guardian e da London School of Economics, publicado em dezembro. Os dois principais motivos citados pelos entrevistados que participaram do quebra-quebra pelo país como um dos fatores relevantes que motivaram confrontos e saques foram a força policial (85%) e a pobreza (86%). Os participantes alegaram ser tratados de forma diferente e injusta por policiais na hora de serem submetidos a revistas, por exemplo, e, ao tomar parte da confusão, se sentiram em um distúrbio antipolícia. O psicólogo forense Jason Jones, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, diz que o comportamento nessa onda de violência pode ter sido uma influência de poucas pessoas realmente iradas, que, em um comportamento típico de manada, levaram um grupo maior a apoiá-las. "Quando sentimos raiva em relação a algum acontecimento ou a um grupo, em vez de uma pessoa especificamente, notamos algo que tenha transgredido nosso objetivo, e nos convencemos de que essas condições, ou a vida, ou o mundo, não devem mais ser assim e não podemos mais aguentar isso", diz. Assim acontecem as explosões coletivas em relação a um ente.

O efeito manada também se dissemina na internet. As pessoas tendem a se manifestar e a modular sua opinião de acordo com o grupo que as rodeia. "Mas sempre com uma tendência de maior agressividade e pontuação, o que não fariam no offline", afirma Raquel Recuero, professora da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), que pesquisa redes sociais e comunidades virtuais. Ao mesmo tempo, tendemos a ser menos cuidadosos na rede. Normas de conduta que envolvem a conversação e a imagem de quem interage ficam relegadas a um segundo plano na rede, no qual as pessoas dizem coisas que jamais ousariam em uma situação offline. "Parte disso porque você não vê o efeito de suas palavras no outro. Além disso, há a sensação de anonimato", diz Raquel. Por trás da tela, ficamos poderosos - sozinhos e apoiados por uma multidão, também anônima. Um prato cheio para a raiva.


Para saber mais 
The Science of Sin: The Psychology of the Seven Deadlies (And Why They Are So Good for You)
Simon M. Lahan, Three Rivers Press, 2012


Soberba

O pior dos pecados ou a maior das virtudes? A soberba virou o jogo e hoje é tão bem vista que é considerada uma característica dos vencedores






A soberba é o pior dos pecados. Pelo menos para a igreja. Experimente, seja você religioso ou não, entrar em uma missa para observar o movimento. Verá que todos rezam de mãos postas, ajoelhados, cabeça baixa. Está na Bíblia: bem-aventurados os humildes. Na tradição católica, o próprio inferno surgiu da soberba, com a queda do então anjo vaidoso Lúcifer. "A soberba é a crença de que se poderia estar no plano sem a presença divina", explica o doutor em ciência da religião Rodrigo Caldeira. Mas se os humildes ganham o reino dos céus, aqui, na Terra, o mundo é dos soberbos.

Da igreja, vá a um estádio de futebol, e observe o atacante, o zagueiro: ombros para trás, cabeça erguida. Não é apenas uma questão de postura. No futebol, crer - e levar o adversário a acreditar também - que é o melhor assusta e inibe o inimigo. E na vida também. "A sociedade contemporânea é mais narcisista e individualista. Um certo grau de arrogância e soberba é premiado", diz o psiquiatra José Outeiral, membro da Associação Psicanalítica Internacional e especialista em crianças e adolescentes. Desde pequenos somos incentivados a trabalhar nossa autoestima, com, basicamente, uma única mensagem: você precisa se amar acima de todas as coisas - enquanto o primeiro mandamento avisa que quem deve ser amado acima de tudo é Deus.


Dá para ver de longe 
Em campo, um time soberbo entra de salto alto. Imaginar a expressão pode servir para identificar os orgulhosos pelas ruas, mostram estudos reunidos no artigo A Naturalist¿s View of Pride (Uma Visão Naturalista do Orgulho, em tradução livre), de autoria dos pesquisadores Jessica L. Tracy, Azim F. Shariff e Joey T. Cheng, do Departamento de Psicologia da Universidade British Columbia, no Canadá. O soberbo anda literalmente de peito estufado, ombros jogados para trás, queixo erguido, braços dobrados a 90° e mãos postas sobre a cintura. No rosto, um sorriso constante, leve e sem mostrar os dentes, que mistura satisfação e desdém. Deu para visualizar direitinho, não?

O gestual do soberbo não é aprendido por imitação - estudos com atletas cegos durante as Paraolimpíadas mostram que eles repetem os mesmos movimentos dos outros soberbos. Também não muda conforme a cultura - arrogantes nos Estados Unidos, na Itália e no Burkina Faso adotam a mesma pose.

Este cenário levou cientistas a procurar - e encontrar - evidências de fatores biológicos para o orgulho. Os pesquisadores da Universidade British Columbia procuraram as regiões do cérebro que entram em alta atividade quando esse sentimento surge e descobriram que a manifestação física da soberba é encontrada também no córtex de primatas.

A maior probabilidade é de que, há milhares de anos, o orgulho e suas manifestações físicas tenham surgido como forma de intimidar rivais que tenham ameaçado o poder do líder. Seria uma resposta adaptativa a ameaças, uma forma rápida de mostrar quem manda aqui. Estar cheio de si significa poupar recursos que despenderiam energia - como a raiva - caso fossem usados toda vez que um novo competidor surgisse. Afinal, vá que o inimigo acredite que aquele gorila é mesmo superior.

Há consenso sobre onde, no cérebro, mora o pecado: é no lobo frontal - mais precisamente, no córtex pré-frontal - que se concentra a atividade neural quando nos achamos melhores do que outros. É a região mais associada à formação da personalidade - e a soberba está intimamente ligada a isso. É a mesma área com defeito em psicopatas. Lesões nessa região do cérebro, assim como o uso frequente de drogas, podem prejudicar as estruturas capazes de controlar o impulso de se ver como a última bolacha do pacote.

Muitas pesquisas foram feitas a respeito das relações entre a produção de hormônios e a soberba. Os pesquisadores Allen Mazur e Theodore A. Lamb, da Syracuse University, de Nova York, descobriram que em eventos positivos em que o mérito é do ser humano ocorreram aumentos consideráveis de testosterona, comprovando que o hormônio masculino é importante na formação dessa emoção.

Isso não significa, porém, que haja saída cirúrgica ou medicamentosa para extirpar o Napoleão Bonaparte dentro de você. O médico e neurocientista argentino Ivan Izquierdo duvida que exista uma abordagem apenas física ou química que possa garantir que o sujeito atinja um nível aceitável de orgulho próprio. Já para Daniel Martins de Barros, coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica do Hospital das Clínicas de São Paulo, mesmo que possa haver falha nos impulsos cerebrais, o pecado da soberba ainda está mais ligado à formação do caráter - sim, àquilo com que seus pais deveriam ter se preocupado na hora de ensinar que todos somos iguais. "O caráter é justamente essa possibilidade de você considerar o outro, levar em conta necessidades alheias, ser mais altruísta, menos egoísta. Existe alguma explicação biológica? Claro, nada no ser humano é puramente psicológico, mas nada também é exclusivamente biológico", afirma.


Traço de líderes 
Em algum momento entre 177 e 192 d.C., um imperador romano chamado Cômodo obrigou seu povo a adorá-lo como se fosse Hércules - o herói dos 12 trabalhos - e promoveu falsas batalhas em arenas para se exibir como gladiador. Não foi o primeiro líder a querer ser adorado como um deus, tampouco seria o último. A coleção de dominadores envolvidos pela vaidade tem gente que se entrega até no nome, como Alexandre, o Grande, o autoproclamado imperador Napoleão Bonaparte e ditadores sanguinários como Adolf Hitler e Mao Tsé-Tung.

Porém, o orgulho ilegítimo ou exagerado, segundo o artigo da Universidade British Columbia, também serve para equipar a mente para manter ou ampliar, a qualquer custo, o poder que conseguiu adquirir. Esse sentimento motiva comportamentos que promovem a reputação de um dominador, como agressividade, hostilidade e tendência ao conflito físico. A sensação de ser cheio de si se retroalimenta e, como poucas outras, nos faz sentir bem com nosso próprio ser. Por isso, é tão inebriante.

Insidiosa, a soberba se esgueira no cotidiano e ataca mesmo quem se esforça para não escorregar no pecado. Quem se define como simples e altruísta acaba se enxergando no topo de um pódio ao contrário - o mais humilde dos humildes é melhor do que os que não são tão humildes, correto? "A humildade extrema, fora do padrão, se colocando abaixo dos outros, e a soberba se colocando muito acima dos outros são faces da mesma moeda", diz Martins de Barros. Até na Igreja o excesso de humildade é visto com desconfiança. O doutor em ciência da religião Rodrigo Caldeira concorda e resume: "É um soberbaço".


A soberba premiada 
Antes de respirar aliviado, atenção: deve haver um ditadorzinho dentro de você, e isso não é necessariamente ruim. Por não se permitir perder para o vizinho, o arrogante tende a aumentar seu desempenho em todas as atividades, o que pode servir de estímulo para fazer mais e melhor - afinal, não pode correr o risco de perder o motivo que originou sua soberba. Um exemplo é o vendedor que recebe elogios frequentes sobre sua performance - o profissional tende a se esforçar ainda mais e aumentar a produtividade - um caso de "quanto eu mais treino, mais sorte tenho". Ou seja, é o orgulho gerando ainda mais orgulho.

É a mesma alavanca que motiva grandes especialistas, participantes de shows de talentos, atletas rompendo barreiras até o limite. Tudo para ver o seu nome sob holofotes. Tudo para ser alguém na multidão. O culto ao sucesso a qualquer custo e às celebridades torna a soberba uma patologia social. "Vivemos em uma sociedade narcísica, do espetáculo", afirma o psiquiatra José Outeiral.

E não é errado sentir orgulho por seus feitos, porque há uma diferença entre o orgulhoso legítimo e o soberbo. "Quando o indivíduo está orgulhoso de si, mantém contato com a realidade e contextualiza esse orgulho dentro da percepção de que tem dificuldades, como todo mundo", afirma Outeiral. Já o soberbo só vê qualidades no que faz, perdendo o senso crítico sobre si mesmo.

O orgulho genuíno é inconstante, ou seja, não é sentido o tempo todo, nasce de fonte específica (diz respeito a um evento) e é controlável (não patológico). A soberba é diferente: um sentimento constante, não ocorre a partir de nenhum evento específico - ele se acha o tal o tempo inteiro e não tem controle sobre essa superestimação de si mesmo. Outeiral completa: "Não há soberba normal. A soberba já é um sentimento exagerado".

Quantas vezes você ouviu alguém afirmar que "Se você não se valorizar, quem vai"? A pessoa que não se acha ao menos um pouco melhor que os outros ou que se identifica como na média é frequentemente apontada como depressiva ou com baixa autoestima. Quando um paciente se enxerga no mesmo nível dos outros, há quem logo receite um antidepressivo, medida que pode se tornar perigosa. Outeiral ainda alerta para o perigo de haver uma virada maníaca, quando o remédio provoca a inversão da característica a ser combatida - transformaria um depressivo até em um eufórico descontrolado.

Se a causa é tão complexa, o tratamento também. O doutor em ciência da religião Rodrigo Caldeira acredita que o caminho a seguir seja uma vida mais ligada a Deus e à busca do perdão. Já os neurocientistas não apontam para o mesmo lado, obviamente. Para eles, que apostam que a soberba tem mais elementos comportamentais que neurológicos, a salvação está em um tratamento psicológico. Se hoje colocamos cada vez mais lenha na fogueira das vaidades, talvez buscar uma resolução eficaz para o caso seja impossível.

Já que parte da culpa pela soberba está na sociedade, parte no cérebro e parte na personalidade, estaríamos lidando com um pecado menos ou mais desculpável? Talvez essa seja a pergunta errada. A questão é aprender o limite no qual o peito estufado deixa de fazer a diferença para evoluir e, como aprendeu Lúcifer, nos empurra para a queda.


Demônio Lúcifer O pior dos pecados só poderia ser representado pelo próprio coisa-ruim. Lúcifer, que era um dos mais bonitões anjos do Senhor, não queria servir a uma criação de Deus, o homem, e se rebelou, porque se achava mais especial. Sua soberba o levou a cair do céu, junto com seus seguidores, que se tornaram demônios. Conforme a interpretação cristã, a soberba leva à arrogância e ao desejo de glória, o que bloqueia a presença de Deus, um pecado que destruiria todas as virtudes - afinal, nada pode ser pior que querer ser superior ao próprio Deus.



Eu me amo Dominador, agressivo, chefe à base da intimidação? Ou um líder nato? Confira qual o seu tipo de orgulho 
ELE é O BOM

Seu chefe é centralizador, pensa que só ele é capaz de resolver problemas, ter ideias? Ele pode ser o soberbo clássico: o orgulho que sente de si não tem uma razão específica, é permanente e incontrolável.

Frase: "Sou bom neste assunto porque sou a pessoa mais inteligente que existe". 
Associado à personalidade: agressiva, líder à força.

PERTENÇO AOS DEZ MAIS Aquele colega que é colaborativo e, mesmo dominando uma determinada área, é capaz de reconhecer os méritos dos demais e suas próprias falhas e qualidades, é também expert no "bom orgulho": é instável (não é sentido o tempo todo), específico (diz respeito a um tema) e controlável. 
Frase: "Sou bom neste assunto porque estudo sobre ele".

Associado à personalidade: passiva, líder nato.
Pose de pavão
Barriga para dentro, peito para fora e ar de quem domina o ambiente: a pose da soberba também aparece nos primatas e em diferentes culturas

Leve sorriso
O sorriso do soberbo é também usado quando está diante de uma situação ameaçadora para demonstrar confiança.


Queixo erguido
Oposto da cabeça baixa do submisso, o queixo erguido também é uma forma de aumentar a estatura.


Peito estufado
A posição é similar à de chimpanzés antes e depois de derrotar um rival. A ideia é parecer maior e mais ameaçador.


Mãos na cintura
Para os primatas, as mãos na cintura servem para aumentar o tamanho frente ao inimigo. Já os punhos equivalem àquela batida no peito dos macacos. 



E no cérebro? Em situações dignas de orgulho, algumas áreas do cérebro são ativadas 
Córtex pré-frontal medial
Lobo temporal esquerdo
Sulco temporal superior



Não posso mais viver sem mim No poder e nas artes, o mundo está repleto de soberbos. E eles não costumam se dar bem no final.
Cômodo Quando viveu? 161-192

Por que foi soberbo? Filho do imperador e filósofo Marco Aurélio, Cômodo chegou ao poder aos 16 anos compartilhado com o pai e, definitivamente, aos 19 anos. Era conhecido por amar a si mesmo e às lutas de gladiadores, em confrontos arranjados para sempre vencer. Modestamente, chamava a si de Hércules. Alterou o nome de Roma para Roma Colonna Commodiana.

Como terminou? A própria amante mandou estrangulá-lo.


Maria Antonieta 
Quando viveu? 1755-1793

Por que foi soberba? Maria Antonieta fez a corte respeitá-la usando a personalidade forte. Inventou moda, mudando de cortes de cabelo, desafiou os costumes da monarquia em vários aspectos, inclusive escolhendo não dar à luz em público. Em plena Revolução Francesa, chamou a Áustria, seu país de origem, para defendê-la. Amava a própria aparência acima de tudo.

Como terminou? Guilhotinada em praça pública.

Napoleão Bonaparte Quando viveu? 1769-1821

Por que foi soberbo? Aparece em todas as reproduções já feitas dele com os ombros para trás, leve sorriso e queixo erguido - a postura da soberba. Depois de algumas vitórias militares, Napoleão promoveu um golpe em 1799 para tomar o poder. Tornou-se imperador e começou uma expansão pela Europa com a desculpa de lutar contra todos os países que mantivessem relações comerciais com a Inglaterra.

Como terminou? Exilado em uma ilha.


Adolf Hitler Quando viveu? 1889-1945

Por que foi soberbo? Depois de lutar na Primeira Guerra Mundial, associou-se ao que seria o Partido Nacional-Socialista Alemão. Quando foi indicado ao poder, instaurou uma ditadura e eliminou todos os seus inimigos. Estava tão convencido de que era a melhor resposta para reerguer a Alemanha pós-guerra que convenceu massas de que pertenciam a uma raça superior.

Como terminou? Com a guerra perdida, se matou.

John Lennon 
Quando viveu? 1940-1980

Por que foi soberbo? Um exemplo de "soberbo do bem", John Lennon criou, com Paul McCartney, a banda mais cultuada de todos os tempos. E teve de dar explicações por ter dito que era mais famoso que Jesus Cristo. Depois que os Beatles acabaram, seu novo objetivo era mudar o mundo - até protestando nu em uma cama, com a mulher, Yoko Ono.

Como terminou? Levou tiros na saída do prédio em que morava.



Para saber mais 
A Naturalist View of Pride
Jessica L. Tracy, Azim F. Shariff, Joey T. Chang, University of British Columbia, 2010 http://abr.io/pride (em inglês)


Inveja

Homens, mulheres, bebês e macacos - estamos todos à mercê do menos nobre dos sentimentos. Ainda bem - porque a inveja pode ser útil para você






Quem nunca sentiu schadenfreude provavelmente está mentindo. Sem tradução para o português, a palavra alemã representa aquela alegria inconfessável de ver o outro se dando mal. E não há pimenteira, figa ou reza forte que impeça a inveja de atacar, porque querer o que é do outro faz parte da natureza - de macacos a bebês.

Quando sentimos aquela inveja que nos faz desejar os bens materiais, o status ou alguma qualidade, como a beleza, de outrem, a área ativada é a mesma responsável por processar as sensações de dor física ou emocional, segundo um estudo do Instituto Nacional de Ciência Radiológica, em Tóquio, de 2009. Ou seja: invejar dói, de verdade.

Quando o invejoso percebe que a outra pessoa tem um insucesso - fracassa no trabalho, briga com a mulher ou bate o carro, por exemplo -, ele se sente recompensado por isso. E aqui não se fala de maneira figurada: a área ativada no cérebro quando ocorre o schadenfreude é exatamente a mesma que processa sensações de prazer e alegria. "Esse sentimento depende de nossa percepção de quanto uma outra pessoa é bem-sucedida. E essa percepção depende dos traços de cada indivíduo, do que consideramos invejável", afirma Márcia Chaves, chefe do Departamento de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Quer dizer: a grama do vizinho será tão mais verde que a sua quanto você enxergar. O gramado pode estar seco e com aspecto de assombrado, mas, para quem a invejar, será digno de final de copa do mundo. Mesmo se não houver grama. Isso porque, em maior ou menor intensidade, ninguém está livre da inveja. E isso não acontece porque somos pessoas más. "Os estímulos do ambiente refletem no cérebro e essa atividade cerebral provoca a inveja. Há uma base neurológica constituída para isso", afirma. E não é só isso: existe mesmo a inveja boa e a inveja má - não é mentira daquele seu vizinho que adorou seu carro novo.

O cérebro reage de forma expressiva quando processamos esses estímulos. Primeiro, em um estágio básico - o mais comum -, vem aquela vontade de ter o que pertence a outra pessoa. Ou seja, o vizinho apenas queria ter o seu carro. É um passo além da admiração, mas um comportamento natural. Em uma etapa mais avançada, a inveja se manifesta por meio da felicidade com o insucesso do outro, com o desejo de que algo ruim lhe aconteça - que você bata o carro ou que ele seja roubado. Nesse caso, é o tal do schadenfreude.

Ao longo da história, diversos personagens causaram prejuízos a oponentes que ameaçavam roubar seu status. Em um caso famoso que entrou para a galeria de lendas sobre a inveja, o compositor italiano Antonio Salieri teria envenenado Mozart, então com 36 anos. Segundo o psicanalista Renato Trachtenberg, autor do livro As Sete Invejas Capitais, a história, ainda que não seja verdadeira, é uma boa alegoria do processo individual desencadeado pela inveja. Segundo a lenda, ao se preocupar somente em alcançar o gênio austríaco, Salieri teria desprezado suas próprias qualidades excepcionais. "Além de ser um excelente compositor, ele havia descoberto Mozart, o que mostra uma sensibilidade aguçada. Ele também era um gênio e não precisava invejar ninguém", diz.

As pessoas com maior propensão à inveja em nível patológico são aquelas que têm graves falhas ou lesões nos lobos frontais do cérebro, regiões responsáveis pelo reconhecimento das regras e pelo respeito aos outros. "Muitas vezes, apresentam traços de uma personalidade sociopata, com comportamentos não aceitáveis socialmente. Então, elas não querem mais o que o outro tem, mas sim ser exatamente o que o outro é", afirma Márcia Chaves.


Uva ou pepino? 
Dá para colocar (parte) da culpa na evolução - e nem os macacos estão livres da inveja. Pesquisadores do Instituto Yerkes, em Atlanta, nos Estados Unidos, detectaram traços de inveja em outros primatas. Dois macacos recebiam pepinos para colaborar com a pesquisa, até que um dia um deles ganhou algo mais saboroso: uvas. Aquele que continuou recebendo o pepino se tornou mais hostil durante os trabalhos - não há mais bobo na pesquisa científica.

Na verdade, a inveja teve um importante papel. Em uma época primitiva, desejar o que o outro conseguia era um indicativo de quanto seria possível conquistar em determinado ambiente: se um macaco conseguia dois cachos de banana, mas um outro obtinha cinco, o invejoso percebia que ele também poderia voltar para casa com uma quantidade maior. Esse componente estimulava a competição, que serviu para o desenvolvimento da espécie. "As áreas do cérebro que processam a inveja, entre outras sensações, só aparecem nos primatas e em alguns mamíferos. Trata-se de um mecanismo evolutivo importante. Do contrário, o cérebro sequer nos disponibilizaria esses mecanismos", analisa Márcia Chaves.

O psiquiatra José Toufic Thomé concorda: "É um dos nossos sentimentos mais primitivos. Quando começamos a perceber o mundo, a inveja logo se manifesta: o que o outro tem, eu quero ter ou quero ser. Temos uma carga de instintos que contém inveja. É um comportamento evolutivo: se eu tenho que sobreviver, preciso usar todos os meus recursos, mesmo os mais primitivos", afirma.

Até os bebês são invejosos 
Nem mesmo aquele bebezinho fofo sendo amamentado pela mãe está livre de sentir inveja. Conforme conceito da psicanalista austríaca Melanie Klein, a inveja se manifestaria no contato com a mãe, durante a amamentação. Ela chamou esse sentimento de "inveja do seio". Conforme a teoria, o bebê não suportaria a ideia de que não é ele quem produz seu próprio alimento, percebendo uma condição de dependência em relação à mãe. "No momento em que o bebê passa a perceber que o leite que necessita é fruto do seio de uma mãe que tem esse poder de criar esse alimento, o sentimento de inveja é acionado com toda a sua força primitiva, e a reação inicial é de rejeitar ou destruir essa percepção frustrante", afirma César Brito, psicanalista e professor da faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Essa primeira relação desenvolvida entre o bebê e a mãe, que faz com que o recém-nascido perceba que não está sozinho, que há outro de quem sua sobrevivência depende, vai se refletir em novas áreas de sua vida. "O bebê precisa desenvolver a capacidade de tolerar as frustrações, reconhecer que as diferenças existem para que se desenvolva de forma mais saudável", afirma.

Mas, se nem ao longo da vida é fácil aprender essa lição, tentar "curar" a inveja também parece uma missão impossível. "Tirar a inveja de alguém seria como amputar essa pessoa", afirma o psicanalista Renato Trachtenberg. Mesmo os casos mais exacerbados de inveja não têm uma cura definitiva. Não é como uma cirurgia em que a doença é extirpada. Quando atinge níveis patológicos, o sentimento de inveja pode ter desfechos trágicos. Em uma versão moderna do fratricídio cometido por Caim contra Abel, em 2011 um jovem confessou ter matado o próprio irmão por invejar seu sucesso. O crime bíblico foi cometido porque Caim acreditava que Deus privilegiava Abel. Na versão urbana, no Mato Grosso, ambos eram DJs e o assassino reclamou que o irmão era mais requisitado para festas.

Como ainda não há uma base de estudos neurocientífica que detalhe todo o caminho percorrido até que o pecado se consuma, uma das abordagens adotadas no tratamento é a psicanalítica: a inveja tem de deixar de interferir em nossa vida. Ou seja, se deixar de invejar é mesmo impossível, pelo menos dá para transformá-la em estímulo.


Demônio - Leviatã 
Um dos dez mandamentos dizia: "Não cobiçarás", o que vale para a mulher do próximo, mas também para o carro do próximo, a casa do próximo, o corpo sarado do próximo... O capeta da inveja é representado por um dos príncipes do inferno, o Leviatã. O monstro importado da mitologia já aparecia no Antigo Testamento como dragão marinho, serpente, baleia e até como um crocodilo, disposto a engolir suas vítimas sem piedade.

Baile de máscaras 
Cobiça é querer o que não se tem
Ciúme é uma relação que envolve um terceiro, uma disputa por afeto ou atenção de algo/alguém que já se conquistou

Inveja é uma relação dual: alguém quer ter ou ser o que o outro já conquistou ou é

Schadenfreude é o êxtase do invejoso: a alegria que ele sente quando o invejado fracassa

Admiração parte de um vazio, do princípio de que algo está faltando ¿ só admiramos o que não temos: assim, pode ser considerado um tipo inicial de inveja

A inveja está na cabeça
O mais dissimulado dos pecados provoca sofrimento, alegria e depressão. Os estímulos do ambiente refletem no cérebro, que processa a inveja

Eu quero A serotonina é responsável pela inveja. Pessoas com problemas de comportamento registram a falta desse hormônio.


Inveja que dói
Quando a inveja se manifesta, é ativada a área do cérebro conhecida como córtex cingulado anterior, a mesma em que é processada a sensação de dor física.


Benfeito
Ao sentir prazer pelo insucesso alheio, a área cerebral estimulada é o estriado límbico, a mesma região responsável pelos sentimentos prazerosos, de alegria ou recompensa.


Azar o seu
Pessoas com lesões ou falhas nos lobos frontais do cérebro são mais propensas à inveja. Dependendo do estágio, a inveja exacerba os sentimentos de injustiça e desigualdade, quadro que pode evoluir para a depressão clínica.

Tô nem aí Pessoas com coágulos ou lesões no córtex pré-frontal ventromedial (área ligada a condutas sociais e tomada de decisões) tendem a não sentir inveja ou prazer pelo insucesso alheio. 
Quando a inveja não é tão ruim assim Morrer de inveja do colega mais bem-sucedido pode servir de combustível para te levar a galgar degraus no trabalho ou na escola

Você torceria o nariz para um currículo profissional que contivesse a inveja como uma habilidade. Mas o fato é que o pecado pode ser um tremendo combustível para o desenvolvimento. Em outras palavras, invejar o sucesso alheio, em um ambiente competitivo, pode ser o que faltava para ampliar a produtividade.

Não importa se é na escola, na família, no trabalho, entre amigos. Somos incentivados a querer sempre mais, mantendo um modo de vida e uma forma de pensar baseados no embate. "Há um estímulo à competição. A partir daí, as pessoas reagem de diferentes maneiras: algumas são estimuladas, outras sofrem", diz Márcia Chaves, do departamento de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Nesse cenário, a inveja é uma via de mão dupla: provocar o desejo alheio, convidar o outro ao pecado, é encarado como uma espécie de antídoto contra os próprios maus pensamentos. "Existem pessoas que querem se livrar da sua inveja fazendo com que alguém as inveje", afirma o psicanalista Renato Trachtenberg. Por outro lado, há quem se sinta desconfortável em progredir ou adquirir bens, com medo de se tornar vítima da inveja.

Inveje, mas trabalhe Aquela história de pontuação, metas de vendas, equipes contra equipes para chegar ao melhor resultado, como algumas empresas estimulam, pode ser saudável? A inveja pode ser encarada como uma forma de aumentar a disputa entre os trabalhadores e melhorar a produtividade. Essa relação pode ser positiva para o crescimento das empresas e dos próprios funcionários. Mas, em estágios avançados, gera prejuízos para as equipes. "A inveja está presente no mundo corporativo. As pessoas acabam fazendo de tudo para permanecer em seus cargos ou subirem na hierarquia", afirma a psicóloga Glaura Verdiani, autora da tese Um Estudo Sobre a Inveja no Ambiente Organizacional. O verdadeiro impulso motivacional dos empregados não está mais em fatores externos como dinheiro e relacionamento interpessoal, mas em aspectos internos, dependendo do sentido que cada indivíduo atribui ao trabalho. Essa mudança de percepção revolucionou o gerenciamento corporativo. Se a motivação parte de cada um, a inveja impulsiona o empregado na disputa dentro da empresa.

Em teorias da psicologia aplicada à administração, acredita-se que, depois de compararmos nosso insucesso ou fracasso com o dos colegas, tendemos a buscar um equilíbrio em relação aos outros. "Por exemplo, se o indivíduo constatou que o esforço-recompensa do outro foi superior ao seu. É nessa condição de estar `sub¿ em relação ao outro que nasce a inveja, solapando o impulso motivacional", aponta Glaura Verdiani. Durante a pesquisa, o que a psicóloga percebeu é que, em vez de o trabalhador ficar desmotivado pela inveja, ele acaba sendo estimulado por ela. Para Trachtenberg, o ambiente empresarial "estimula parentes próximos da inveja, como a voracidade, a avidez e a rivalidade". A lição é: vale, sim, invejar, mas só se for para subir pelos próprios méritos.


Para saber mais 
As Sete Invejas Capitais
Arnaldo Chuster e Renato Trachtenberg, Artmed, 2009

Otelo
William Shakespeare, L&PM, 1999



A inveja pelo mundo A concepção de inveja muda conforme diferentes culturas e religiões

Na Grécia, cinco séculos antes de Cristo, a inveja era encarada como um comportamento político, uma condição inevitável a ser enfrentada por quem obtivesse sucesso. Em Atenas, havia votação para expulsar alguém da cidade por dez anos. Esse exílio era o Ostracismo, que vitimava aqueles que conseguiam muito poder.

No Islamismo, a inveja, ou hassad, é abordada como doença espiritual corrosiva que destrói e anula todas as boas ações praticadas pelo invejoso. Após admirar um bem ou sucesso alheio, é comum usar a expressão "É a vontade de Deus" para demonstrar que não se está sendo invejoso, mas, sim, homenageando o outro.

No Judaísmo, a inveja só é considerada pecado quando existe o desejo de tirar algo do outro. Quando tem o caráter de admiração, é vista como estímulo para o desenvolvimento material e espiritual. Ficou consagrada a expressão "inveja santa" ou "inveja boa", incentivo para alcançar os objetivos de crescimento.

No Budismo, a inveja é encarada como a conjunção da cobiça e do ciúme, sentimentos que impedem o alcance do nirvana, o paraíso. A alma dos invejosos reencarna no reino Asura, pertencente a semideuses rebeldes e frequentado por pessoas que haviam tomado atitudes positivas, mas motivadas pela inveja.

Luxúria

Infidelidade, sexualidade extrema, apego aos prazeres da carne - é possível descobrir se há ou não pecado do lado de baixo do equador?






Nossos ancestrais nem imaginavam, mas, desde a primeira vez em que um deles propôs variar a posição só para experimentar, o sexo ganhou uma proporção muito maior que a inicial - fazer outros de nós. É claro que não evoluímos para ver filmes pornô, comprar vibradores ou pagar por sexo. A chave é uma só: a busca pelo prazer. "Afinal, que tipo de vantagem reprodutiva assistir a filmes de pessoas bonitas fazendo sexo poderia acarretar?", diz o professor de filosofia e neurociência da ESPM-SP Pedro Furtado Calabrez. O especialista lembra que, em algum momento da evolução humana, os indivíduos que sentiam mais prazer com o sexo procriaram mais - porque o processo envolvido lhes era mais, digamos, agradável. "E um vídeo de pessoas fazendo sexo atrai a atenção do ser humano por ser um subproduto desse processo evolutivo", diz. Uma espécie de emulação mental de uma necessidade biológica cujo prazer está atrelado ao sucesso reprodutivo de nossos ancestrais.

E onde entra a luxúria nessa história? O conceito diz que o pecado é sobre se deixar dominar pelas paixões carnais. E o que pode ser mais carnal que o sexo? A dúvida mesmo é definir: o que é além da conta ou o que pode ser considerado anormal entre quatro paredes?


Soneto da infidelidade 
Um dos maiores tabus sexuais é a fidelidade. Biologicamente falando, o ser humano não foi feito para ser exclusivo - um homem pode engravidar uma mulher diferente a cada ejaculação e a mulher ovula mensalmente, o que, se dificulta as coisas para espalhar os genes, também permite que a cada nove meses dê à luz um bebê de pai diferente. A vantagem biológica é que assim é possível espalhar nossa carga genética por aí - e criar descendentes. Mas, apesar de natural, com exceção de algumas culturas ao redor do mundo, desde muito cedo somos incentivados a acasalar com um único parceiro. "Quem determina que a infidelidade está errada é a nossa cultura. A fidelidade é uma criação do homem. Não significa que seja algo ruim. Antropólogos constataram que, depois do contato com o homem branco, o indígena, que antes achava natural ter vários parceiros, passou a sentir ciúme", diz o neurocirurgião Fernando Campos Gomes Pinto, do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Homens e mulheres traem. Mas, ao que parece, eles têm a desculpa ideal para isso. Alguns pesquisadores defendem que a culpa da infidelidade é da testosterona. Em níveis baixos, o hormônio masculino diminui a libido. Quando um paciente recebe o hormônio e normaliza seu nível no organismo, volta a ter desejo sexual. "Isso nos faz pensar que níveis mais altos de testosterona provoquem maior apetite sexual, principalmente nos homens", diz Gomes Pinto. Já a pesquisadora Madalena Pinto, professora de química orgânica e química farmacêutica e medicinal na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, em Portugal, afirma que homens com menor tendência para o casamento, ou com maior tendência para o adultério, ou ainda com maior propensão para o divórcio demonstram um nível médio e alto de testosterona.

Um estudo feito em 2009 coloca mais lenha na teoria. A antropóloga Alexandra Alvergne, da Universidade de Montpellier, na França, avaliou homens da zona rural do Senegal: 21 polígamos com filhos, 32 pais monogâmicos e 28 homens solteiros sem filhos. Os homens com filhos tinham menores níveis de testosterona que os solteiros. E, entre os homens que eram pais, os que tinham maior nível de testosterona investiam menos tempo na família.

E os infiéis podem até culpar a genética pelas puladas de cerca. A neuropsiquiatra americana Louann Brizendine, autora das obras The Female Brain e The Male Brain, afirma que há um gene que pode estar relacionado à infidelidade. "É o chamado gene receptor da vasopressina", diz. O teste foi feito em roedores, com perfis diferentes de maridos. A ratinha da espécie arganaz-do-campo não tem do que se queixar: o macho é monogâmico, tem laços a vida inteira com apenas uma fêmea e uma versão mais longa do gene receptor de vasopressina. Já o seu "primo" arganaz montanhês é um bon vivant: não cria laços. Na pesquisa, observou-se que o ratinho tem uma versão menor do gene receptor. Para provar a teoria, os cientistas injetaram o gene monogâmico no cérebro dos ratos infiéis, que se tornam roedores de uma rata só. Ainda não foi testado em humanos - mas alguém duvida que seria um sucesso entre os ciumentos?

Até aqui, parece que mulher não trai. Não é bem assim. A pesquisadora Kristina Durante, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, afirma que mulheres jovens se sentem mais atraentes quando seu nível de estradiol, hormônio feminino que entra em cena na ovulação, está mais alto do que o comum. E trocam de parceiro com muito mais facilidade. "Mulheres com alto nível de estradiol mostraram maior probabilidade de flertar, beijar ou ter um caso mais sério com alguém diferente de seu parceiro fixo", afirmou a pesquisa publicada no Royal Society Journal Biology Letters.

No estudo, 52 estudantes universitárias entre 17 e 30 anos que não usavam pílulas anticoncepcionais tomaram duas doses de estradiol, fazendo o nível do hormônio feminino aumentar. Na sequência, os pesquisadores pediram que avaliassem a si mesmas e às outras. As mulheres que registravam um maior nível de estradiol foram consideradas muito atraentes por elas mesmas e também pelas outras mulheres. Ou seja, prontinhas para sair por aí praticando a antiga arte da luxúria.

Para Gomes Pinto, entretanto, o componente mental é determinante para a mulher. "Pensamentos, sonhos e desejos mentais explicariam melhor o comportamento mais promíscuo de certas mulheres", afirma o neurocirurgião.


Desejo na cabeça E isso tudo não significa que, sob o ponto de vista neurológico, cabeça de homens e de mulheres sejam completamente diferentes. "Anatomicamente, há diferença de tamanho e peso do órgão, ele é discretamente maior e mais pesado nos homens. Neurologicamente, as diferenças ocorrem por diferentes hormônios que se relacionam com as diferentes gônadas (ovário e testículo) e com o corpo", explica Fernando Campos Gomes Pinto.

David Buss, professor da Universidade do Texas e um dos pioneiros em Psicologia Evolucionista, afirma que homens desejam por volta de 20 parceiras sexuais diferentes ao longo da vida. As mulheres, apenas cinco - lembre-se, isso é uma média mundial. "Quando um homem vê uma mulher, desencadeia um interesse que é sempre sexual, porque assim como em qualquer espécie o interesse do acasalamento está sempre por trás da intenção", diz Márcia Lorena Chaves, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Mas não é qualquer mulher que vai interessar a qualquer homem. Existem muitos estudos que tentam entender que características atraem uns aos outros. Com a função de estimular a procriação, o desejo sexual incita no cérebro uma emoção tão primária quanto o medo e a raiva.

Independentemente de sermos primitivos, cerebrais e mais guiados por instintos do que somos capazes de assumir, existem também questões culturais e emocionais que deixam as escolhas e os desejos ainda mais confusos. Mas Freud explica. "A escolha de parceiros, segundo o pai da psicanálise, se daria de acordo com basicamente dois tipos de motivações inconscientes: buscamos alguém que represente figuras que nos dão proteção, que nos atrairia porque vai nos proteger e proteger nossos filhos. Ou alguém que satisfaça nosso narcisismo, pois se escolheria uma pessoa tendo em vista o que se é, o que se foi ou o que se gostaria de ser", diz Clarice Tesch, do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre.

Para a neurociência, o processo do desejo é bem mais simples. Quando o homem observa quadris e coxas, não está em busca de celulite ou depilação em dia, mas sim repetindo um comportamento ancestral: uma análise indireta da bacia da mulher para avaliar se ela tem condições de procriar. Da mesma forma, a mulher, quando observa a força muscular, o porte físico e, sim, a condição financeira do homem, está analisando o poder de defesa que o candidato tem para oferecer a ela e aos futuros rebentos - ainda que o sexo, no caso, nada tenha a ver com fazer filhotes.

Ou seja, nesta montanha-russa comandada pelo cérebro, na qual química, educação, cultura, religião e escolhas se misturam, não parece haver pecado. Será que estamos perdoados?


Demônio - Asmodeus 
O demônio que faz as menininhas literalmente virarem a cabeça em possessões malignas é o representante do mais carnal dos pecados. Asmodeus é famoso na tradição cristã por destruir casamentos e forçar maridos e mulheres a cometerem adultério. Mesmo sendo feio como o diabo: o capeta da luxúria costuma ser retratado com três cabeças (ogro, carneiro e touro), pés de galo, asas e cauda de serpente. O bonitão ainda cavalga um dragão e cospe fogo.


Quando o prazer vira um vício 
Michael Douglas e Tiger Woods que o digam. Sexo pode viciar, sim. A explicação está no cérebro, que pega um recurso natural prazeroso e hiperestimula esse processo, tornando-o um círculo vicioso, segundo o neurocirurgião Fernando Campos Gomes Pinto, do Hospital das Clínicas da USP. O prazer sexual é entendido pelo cérebro como uma recompensa. Mas nem sempre a causa está apenas nos mecanismos que geram o prazer. Pacientes com lesão bilateral dos lobos temporais (com destruição bilateral das amídalas) podem apresentar hipersexualidade, alteração conhecida como Síndrome de Kluver-Bucy. O neurologista Carlos Rico, representante dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa) no Brasil, afirma que os casos de dependência variam, mas que prejudicam a vida do paciente. "O comportamento pode ir da promiscuidade óbvia envolvendo vários parceiros a atos solitários como masturbação compulsiva, voyeurismo, exibicionismo, ou à entrega obsessiva à fantasia ou à sedução amorosa", diz. Estima-se que entre 3% e 6% da população mundial seja dependente do sexo.



Assim você me mata Como o corpo de homens e mulheres reage aos impulsos da atração 
1. A menina mais linda 
No corpo do Homem - Dá um olhar geral para o todo. Só depois foca em seios, nádegas, olhos.

No corpo da Mulher - Prende-se a um detalhe. Queixo, olhos ou mesmo o intelecto. Se o homem demonstrar inteligência pela conversa, pode desencadear desejo.

No cérebro - Estímulos externos reais, como beleza, cheiro e voz, e estímulos internos, ligados a memórias afetivas, determinam o interesse.


2. Nossa, nossa 
No corpo do Homem - Olhos. Depois de olhar atentamente e gostar do que viu, o cérebro do homem começa a fantasiar detalhes do ato sexual com intensidade.

No corpo da Mulher - Pele e ouvidos. A mulher passa a fantasiar o ato sexual apenas a partir do momento em que existe contato com a pele do outro. E caso o que ela esteja ouvindo seja interessante.

Em ambos - Durante o flerte, o coração acelera e a respiração fica ofegante. O corpo libera noradrenalina e testosterona, ligados ao desejo, e a dopamina, ao prazer. O sangue vai para lábios e genitais, aumentando a sensibilidade.

3. Ai, se eu te pego 
No cérebro de ambos, o hipotálamo, que rege nossas emoções mais primitivas, motiva para o ato sexual.

No corpo da Mulher - A vagina fica lubrificada e ocorre o entumecimento da genitália, inchada por receber mais sangue.

No corpo do Homem - Inicia-se o processo de ereção.

4. Delícia, delícia 
Ativação dos gânglios da base e do tálamo. A consciência fica menos alerta e mais envolvida na aura de sensualidade. Homem e mulher focam apenas na busca pelo prazer. Ativação do centro do prazer no hipotálamo e orgasmo (clímax).


Tem gosto para tudo Pedofilia
Desejos ou atos sexuais com crianças. É comum entre pessoas da mesma família.


Zoofilia
Quando uma pessoa se sente atraída ou pratica relações sexuais com animais.


Voyeurismo
Quando uma pessoa precisa observar pessoas que estão tirando a roupa, nuas ou fazendo sexo, sem que elas saibam que estão sendo vistas.


Masoquismo
Ocorre quando a pessoa precisa sofrer, na esfera física ou emocional, para sentir prazer sexual.


Sadismo
É considerado sadismo quando uma pessoa precisa provocar, na esfera física ou emocional, sofrimento a outra pessoa, e só assim consegue sentir prazer sexual.


Frotteurismo
Quando um homem toca ou esfrega o pênis em outra pessoa completamente vestida, sem sua concordância, para ter prazer sexual. Muito comum em transportes públicos. É por isso que, em alguns lugares, há vagões de trem somente para mulheres.



Afinal, o que é normal? O limite da perversão é ferir a si mesmo ou outra pessoa - e o sentimento de culpa depois do prazer 
Se infidelidade é luxúria, perversão é inferno na certa. Mas o que é perversão? Para a neurociência, significa acionar o centro do prazer no cérebro, via desejos pouco ortodoxos do ponto de vista biológico e sociocultural, utilizando as mesmas vias neurais que são biologicamente utilizadas para o sexo e para a procriação, diz o neurocirurgião Fernando Campos Gomes Pinto. Mas o que é ortodoxo, ou melhor, normal na busca pelo prazer? A resposta é ainda mais complexa.

A perversão se manifesta em algumas pessoas induzidas por um pensamento específico - incomum ou que não seja o habitualmente aceito na sociedade - porque existe uma tensão produzida por hormônios e neurotransmissores que ativa o centro neural de recompensa. "E a partir daí um circuito que existe normalmente é usurpado e deturpado, conferindo prazer", afirma o médico. Ao se submeter ao próprio desejo proibido, uma pessoa pode sentir muito mais prazer durante o ato do que em uma relação considerada normal. "Nossa mente funciona de acordo com o princípio do prazer e, com nosso amadurecimento, vamos aceitando que precisamos abrir mão de parte dessa busca pelo prazer e atender aos princípios da realidade", diz a psicanalista Clarice Tesch, do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre. Além disso, a perversão é uma classificação discutível. "Em algumas culturas, a homossexualidade é considerada perversão, o que a psicanálise não classifica como tal, pois a orientação sexual não se baseia numa escolha consciente, mas numa rede de identificações inconscientes", afirma. Na Grécia, o conceito de homossexualidade sequer era considerado. A poligamia, proibida no Brasil, é aceita oficial e extraoficialmente em mais de 50 países.

Ou seja, o que é normal para mim pode não ser para você. E o limite é ferir a si mesmo ou outra pessoa - sem autorização, que fique claro. No caso do perverso, ele está sempre em busca da satisfação do seu desejo, sem considerar a lei ou o outro. E, depois da satisfação do desejo, o lobo frontal volta a agir normalmente. A pessoa começa a fazer autojulgamentos e a pesar seus atos de acordo com seus valores, cultura, condição psíquica. Como vivemos em sociedade, dar vazão ao desejo pode significar entrar em conflito. E sentir culpa.


Reprimindo desejos Envolvido com os mistérios do inconsciente, Freud estabeleceu uma relação entre desejo proibido e sexualidade. Para ele, toda criança tem desejos, que reprime ou sublima. Os pais e a sociedade vão mostrando o que pode e não pode ser feito e ela passa a ter noção do que é proibido ou permitido. Embora não sejamos capazes de controlar o desejo, somos aptos a dominar nossos atos. "Psicanalistas não consideram que possa haver uma fantasia perversa, já que fica na esfera da imaginação", diz Clarice. A perversão seria a permanência de traços infantis numa mente adulta. Ou seja, todos podemos ter atitudes perversas.


Para saber mais Kama Sutra
Vatsyayana, Editora Jorge Zahar, 2001


Affective Neuroscience: The Foundations of Human and Animal Emotions
Jaak Panksepp, Oxford University Press, 1998